terça-feira, 24 de novembro de 2009

A caneta deve ser pequenina e ficar postada entre o mamilo esquerdo e o que dizem ser o coração -algum fisiologista bizarro deve ter inventado. Ela aplica e reaplica uma pressão constante, incômoda no começo, torturante depois de um tempo. Mas nada que mate, não.

Suspeito que a tinta liberada siga pelo tubo do sistema digestivo -palpite de quem queria ser médico, claro. A fórmula deve perfurar estômago e subir o tubo, chegando no que chamamos de garganta. Ali, decide fazer uma espécie de dança das baleias.

São baleias dançantes segurando a base da garganta. Nada entra, nada sai. Elas ficam ali e, se morrem, são mais abastecidas pela tinta da caneta maléfica que segue pressionando o mesmo ponto -há horas. Mas são baleias, já que são grandes e ocupam todo o espaço do local.
"Vive-se bem assim". Não há frase mais medíocre e hipócrita. Viver-se? Se usar ênclise já é sinal de desdém, imagine falando-se de um estilo de vida decisivo. Aquele que você escolheu. Fora que é expressão de gente já velha, já conformada com os contras da vida. Sem muita vontade de correr atrás do melhor. Ah, o melhor.

'Bem' é sinal de medíocre. Bem é bem. Não é nada muito maravilhoso. Já o 'assim' é o auge do conformismo da raça humana. Tá ai, deixa como está, não?
Minha dose diária de loucura é servida em uma xícara de chá chinesa. Quase um centenário de vida, diz o louco ao fundo. Provavelmente mais uma maravilha do mundo por R$ 1,99.

O líquido não é lá muito líquido. Há geleia verde e pó rosa misturados na solução heterogênea. Quem prepara é uma senhora sádica de 46 anos -abandonada pelo marido e pelo filho, que resolveu ter um relacionamento estável com um poste do estacionamento next door.

Ela logo vê quando eu chego cabisbaixa (muita realidade, muita realidade, não consigo) e abre um sorriso. Sim, ela tenta controlar -dê-se o crédito à senhora-, mas não consegue. Vê gente assim todo dia. Vive disso. Já foi um de nós.

A dose desce cortando, algo pior que pinga para se ter uma ideia. Bate no estômago com força e segue incansável ao resto do corpo. Existe um período -uns três minutos- em que realidade e ficção se misturam. Nada que seja muito agradável, mas dá pra conviver.

Saio da sessão como quem sai de um banho de ofurô. Meu olho fica até verde, nas condições de temperatura, luz e pressão preestabelecidas, claro.
Tem o silêncio envolto de lábios se mexendo, o no meio do barulho e o de dentro. O de dentro é o pior. Se combina com aquela dor no peito -a que não é gases, by the way. A dor da caneta sendo pressionada de leve, mas constantemente, dentro do peito vem seguida do silêncio. Ele se acompanha de olhos semicerrados, preguiçosos de encarar qualquer coisa parecida com o conceito de mundo -o seu, o meu, o do louco que vê espaçonaves.

O silêncio de dentro também afeta (cientificamente falando, é claro) os lábios. Que se fecham, tentando assim evitar mais uma entrada do mundo. O ar é um grande transportador de mundo pra dentro, poucos sabem. E ai tudo se fecha da realidade imutável das coisas.

Quando o barulho volta, o único pensamento é: eu só não deveria estar aqui. Só. Apenas. Sem pedir muito. Conformado desse tanto.
E ai ela morreu com lágrimas nos olhos. O carro veio da direita, o sinal estava piscando no amarelo. Ninguém viu, ninguém disse nada, não fez barulho. O farol veio, bateu na água do olho, refração, reflexão... arco-íris. Ela morreu com um arco-íris nos olhos, e com uma leve dor atrás da orelha esquerda. Coisa leve, coisa de nada.

Ela nunca tinha passado por lá, era coisa nova, indefinida. Rua bem iluminada para ter batidas de carro até. Nunca tinha dito metade das coisas que pensava por medo, e morreu tentando compensar o atraso. Não gritou, não. Sussurou o começo de uma frase mal construída. Em outros tempos, teria retirado o que disse, pela organização erronea da linguagem que tanto prezava.

Mas não deu tempo. O fenômeno pouco sentimental da carbonização tomou conta do momento sublime. Queimou cada centímetro que ela reclamava do próprio corpo. E voltou ao pó, de onde, segundo velhos manuscritos, havia saído há algum tempo atrás.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Voltar a escrever pra sair da abstração excessiva, da ausência de realidade e da triste apatia. Tornar o irreal algo viável em palavras sutis, sem ser brusco. Saber lidar com o irreal e não diminuí-lo enquanto forma de expressão.